quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Água



Muitas vezes te vi desejar. Desejavas. Deixavas-te olhando o mar
Com mirada de argonauta. Teus pequenos olhos feios Buscavam ilhas, outras ilhas... – as imaculadas, inacessíveis Ilhas do Tesouro. Querias. Querias um dia aportar E trazer – depositar aos pés da amada as jóias fulgurantes Do teu amor. Sim, foste descobridor, e entre eles Dos mais provectos. Muitas vezes te vi, comandante Comandar, batido de ventos, perdido na fosforescência De vastos e noturnos oceanos Sem jamais. Deste-nos pobreza e amor. A mim me deste A suprema pobreza: o dom da poesia, e a capacidade de amar Em silêncio. Foste um pobre. Mendigavas nosso amor Em silêncio. Foste um no lado esquerdo. Mas Teu amor inventou. Financiaste uma lancha Movida a água: foi reta para o fundo. Partiste um dia Para um brasil além, garimpeiro, sem medo e sem mácula. Doze luas voltaste. Tua primogênita – diz-se – Não te reconheceu. Trazias grandes barbas e pequenas águas-marinhas. Não eram, meu pai. A mim me deste Águas-marinhas grandes, povoadas de estrelas, ouriços E guaiamus gigantes. A mim me deste águas-marinhas Onde cada concha carregava uma pérola. As águas-marinhas que me deste Foram meu primeiro leito nupcial.

Vinicius de Moraes - Elegia na morte de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, poeta e cidadão

Um comentário:

Luiz Martins Neto disse...

Que belo engajamento literário!!!

Parabens México.